Em ti habita, cristalina vida
Água das fontes, ribeirões, riachos
Tua alma, clara, translúcida
Vitifica o ventre virente das matas
Faz que floresça a vida na Terra,
Sequiosa de amor.
Escrito por Márcio Castro das Mercês – Analista Ambiental ICMBio, lotado na Reserva Biológica de Tinguá (Rj)
Aquecimento global, desertificação, esgotamento dos recursos naturais, buraco na camada de ozônio, desmatamento, crise mundial da água, disposição inadequada de resíduos, poluição atmosférica, contaminação de corpos d’água, mudanças climáticas, chuva ácida, eutrofização.
A sociedade humana através dos tempos e de sua natural evolução sempre se comportou de forma predatória e antropocêntrica, pouco ou nada se importando com as necessidades de outras formas de vida que igualmente compartilham este diminuto ponto azul perdido na imensidão universal.
O planeta Terra ao longo de sua existência já testemunhou várias extinções em massa, porém o caminhar dos modelos produtivos ambientalmente insustentáveis apontam para um futuro em que seremos os primeiros e últimos a promover conscientemente nosso próprio extermínio como seres vivos, com a agravante de levarmos toda uma biodiversidade para o mesmo holocausto planetário.
Qual outro ponto no espaço que propicia as condições necessárias para que a vida tal qual a conhecemos, emerga?
Por demais sombrio o panorama futuro que nos é desenhado? Mais um exercício de “ecoterrorismo-fundamentalista” como tantos outros que nos assolam diariamente? Ou um clamor silencioso; gritos de socorro frente aos descalabros de um modelo ensandecido de consumo baseado no ideário da economia clássica cuja boca consome de tudo não importando a procedência e defecando em tudo e todos não se importando com a ética ambiental para as gerações presentes e futuras?
Até o ano de 2020 estaremos na “década da água”, que segundo a ONU é um recurso natural cujo acesso deve ser prioritariamente para o ser humano, embora saibamos que 70% de toda água potável é destinada aos grandes empreendimentos agropecuários, 20% para as indústrias e corporações e somente 10% tem sido usado para consumo humano. Em vários pontos do planeta já ocorrem sérios conflitos sociais e bélicos pelo acesso e posse das fontes deste que já é conhecido como “ouro azul” do séc. XXI – água, o elemento fundamental da vida; indispensável às atividades humanas, à fauna e à flora do planeta, mas a crescente expansão demográfica e industrial comprometeu a quantidade e a qualidade da água disponível na natureza.
Alguns dados oficiais ONU/UNESCO:
- 1,6 milhões de pessoas morrem por falta de água potável todos os anos, a maioria crianças menores de 5 anos;
- 4.200 crianças morrem todos os dias por falta de água;
- 900.000.000 de pessoas não tem acesso à água, sendo que 125.000.000 crianças até 5 anos vivem em lares sem água;
- Em 2030, 67% da população mundial não terá acesso à água;
- 80% das doenças em países em desenvolvimento são de veiculação hídrica;
- US$ 38 bilhões/ano seria a quantia poupada se houvesse uma correta gestão da água.
A quantidade de água necessária para o sustento da vida, apenas, é relativamente pouca. Mas mesmo nas sociedades mais simples as pessoas precisam de uma quantidade adicional de água para se lavar, preparar alimentos, etc. Nos tempos passados, o consumo “per capita” diário, considerando todos os usos, inclusive a água de beber, era de aprox.12/20 litros. Atualmente, o consumo doméstico “per capita” é de aproximadamente 300 litros por dia. Computados todos os fatores de produção (uso doméstico, irrigação, industrial, na agricultura, etc.) o consumo gira ao redor de 15.000 litros por pessoa por dia. A demanda de água cresce com o aumento de população e com a melhoria do padrão de vida.
Porém ao analisarmos os mecanismos na gestão hídrica implementados em vários pontos do mundo notaremos que nem sempre a simples valoração ou precificação da água não é considerada uma ferramenta eficiente no controle da demanda pela população, tampouco a eterna discussão entre os modelos privados e públicos de gestão nos dão as certezas necessárias para que este recurso natural seja distribuído de forma correta observando-se as especificidades na execução das políticas públicas afins.
“Aquários são hidricamente sustentáveis”? Neste ponto devemos pausar nossa leitura para analisarmos o significado de “sustentabilidade” e como este termo pode ser aplicado de forma correta ou não no universo dos aquários. Sustentabilidade remete-nos ao tripé social-ambiental-econômico, sem os quais qualquer atividade humana teria (em tese) pouca ou nenhuma consistência e solidez; daí a derivação “desenvolvimento sustentável”*, que em si é absolutamente contraditório visto que “desenvolvimento” implica em escala produtiva, enquanto “sustentável” significa limites na demanda produtiva. Uma das principais evoluções conceituais conquistadas pelo ativismo ambiental nos últimos anos é justamente a correção do tripé clássico para “social-ambiental-ético”, entendendo que o econômico está incluso nas metas sociais.
*Definição segundo o relatório Brundtlandt (Nosso futuro comum), em 1987: “Desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades”.
Numa civilização totalmente mergulhada numa crise ética sem precedentes, o questionamento proposto leva-nos a refletir segundo uma abordagem não-tradicional, ou seja, que não coloca o organismo aquático ou o aquariofilista como elemento focal, como fazem os praticantes do veganismo, tampouco segundo a ótica dos defensores ou detratores da experimentação animal (científica, médica ou biológica) ou pesquisa (Empírica ou cartesiana). O foco é dirigido, regido e parte da complexidade no uso e apropriação da água como veículo externalizador de nossas vaidades, vontades ou necessidades.
Onde existe o fato e o direito à necessidade por um aquário de 2.000 litros, por exemplo? Porque não um de 60 litros? Será em virtude das argumentações de que poderíamos ter uma melhor representação da natureza de acordo com as normas ditadas por especialistas? Normas estas que são destinadas a quem e por quê? Como construir uma realidade que não seja tão conflitante com as demandas mundiais pela água onde um uso sempre excluirá outro?
Quais os limites na perpetuação deste ícone da vaidade humana?
Deixo-lhes a discussão e as reflexões no confronto de nossas realidades com as necessidades do planeta Terra na busca pelas respostas. Uma construção baseada em novas posturas éticas em relação ao meio ambiente caracterizada pelo desafio de uma responsabilidade tanto individual quanto coletiva, respeitando os que ainda não estão neste plano material e a todas as formas de vida que igualmente compartilham nosso finito mundo azul.